19 de Abril de 2024 -
 
26/03/2017 - 10h35
Vitória de Vettel começa a responder algumas perguntas da F1; Mercedes não vai ganhar tudo de novo
Por Livio Oricchio, Nice, França
Globoesporte

A primeira etapa do campeonato, o GP da Austrália, já acabou e muitas das perguntas deixadas no ar durante os testes da pré-temporada e mesmo nos treinos livres, sexta-feira, e na classificação, sábado, em Melbourne, começaram a ser respondidas ao longo das 57 voltas da corrida, neste domingo, no Circuito Albert Park.

É possível relacionar sete dessas questões e procurar nos acontecimentos do fim de semana suas respostas. Podem não ser definitivas, pois o traçado da pista australiana não é do tipo permanente e o asfalto tem pouca aderência. Mais: por se tratar da abertura do mundial, mais variáveis interferem na performance dos carros e pneus, em especial na estreia de um regulamento completamente novo como o deste ano.

A primeira pergunta diz respeito à prova em si. Por qual razão Lewis Hamilton não venceu? Afinal, foi o mais rápido nos treinos livres da sexta-feira, estabeleceu a pole position no sábado e, mais importante, largou bem e liderou a primeira parte da competição.

O piloto da Mercedes terminou o GP da Austrália em segundo porque definitivamente está muito difícil ultrapassar na F1.

O modelo W08 Hybrid da Mercedes demostrou ser menos rápido que o SF70H da Ferrari em condição de corrida neste domingo. Hamilton ficou em segundo, a 9s975 de Vettel, o vencedor. Ao contrário do que assistimos na definição do grid, sábado, quando o alemão, segundo, foi 268 milésimos mais lento. Mas Hamilton chegou na primeira curva dos 5.303 metros do circuito australiano com boa margem de segurança para Vettel, depois da largada, garantia de que poderia se manter na liderança. Os dez primeiros tinham os pneus ultramacios. A Pirelli distribuiu também os supermacios e os macios.

Primeira constatação do dia: em Melbourne o carro da Mercedes consumiu mais os pneus que o da Ferrari. “Estava já sem pneus quando fiz meu pit stop”, afirmou Hamilton. “Tanto que antecipamos em uma volta a programação original, para a 17ª”. Vettel seguiu com os ultramacios até a 23ª volta, sem as dificuldades relatadas por Hamilton.

Nas voltas iniciais, Vettel permaneceu na zona do DRS, o flap móvel, ou seja com diferença de um segundo ou menos para o piloto à frente, Hamilton, mas depois perdeu um pouco de contato para, após cerca de 12 voltas, de novo se aproximar, acompanhar o ritmo do adversário e ser até mais veloz.

Lewis Hamilton e Sebastian Vettel conversam (Foto: Getty Images)

Essa combinação entre a Ferrari ser mais rápida que a Mercedes nas seis voltas em que Vettel teve pista livre pela frente, a partir do pit stop de Hamilton, na 17ª volta, e o fato de o piloto da Mercedes sair dos boxes atrás de Max Verstappen, da RBR, bem mais lento, foram decisivos para os italianos celebrarem a vitória.

Max tinha os pneus ultramacios da largada e suas voltas eram alguns décimos piores que as de Hamilton e Vettel, por vezes quase um segundo. Haja vista que Hamilton fez a parada, perdeu no total 23 segundos, e ainda regressou apenas imediatamente atrás do holandês, para se ter uma ideia da menor velocidade da RBR.

Hamilton estava depois do pit stop com os pneus macios novos, destinados a lhe dar autonomia para seguir na prova até a bandeirada, 39 voltas mais tarde. Mesmo assim, o piloto inglês não conseguiu ultrapassar Max. O engenheiro de Hamilton, Peter Bonnington, disse no rádio: “Lewis, é fundamental você ultrapassar Max para mantermos a liderança”. O piloto inglês respondeu: “Eu não sei como você espera que eu faça isso”.

O resultado desse estado de coisas foi Vettel deixar os boxes em seguida ao seu pit stop, na 23ª volta, também com macios novos, à frente de Max e Hamilton. Com a dificuldade de ultrapassar ratificada no fim de semana, Hamilton dificilmente retomaria o primeiro lugar. Isso se a Mercedes tivesse um ritmo melhor que o da Ferrari. Mas o que aconteceu foi o oposto. O restante do raciocínio é parte da reposta da pergunta seguinte.

Se Hamilton tivesse passado a saída dos boxes na frente de Vettel, mesmo atrás de Max, que parou na 25ª volta para colocar supermacios novos, poderia ter vencido?

Provavelmente sim, ainda que a Ferrari estivesse mais veloz que a Mercedes. Hamilton, com macios novos, não ultrapassou Max com ultramacios com mais de 20 voltas. E a diferença de performance em favor de Vettel para Hamilton era menor da deste para Max.

O cenário mais provável seria algo semelhante ao verificado entre Hamilton e Max. Mesmo dispondo do DRS, para ganhar mais velocidade na reta dos boxes, Hamilton não conseguiu ganhar a posição do holandês. Portanto acreditar que Vettel o faria com Hamilton faz menos sentido do que o contrário.

Em resumo, Hamilton teria boas chances de celebrar a vitória no GP da Austrália. Para ultrapassar era preciso ter uma diferença de desempenho maior, como a existente, por exemplo, entre Esteban Ocon, da Force India, e Fernando Alonso, McLaren, na luta pelo décimo lugar nas voltas finais. O talentoso jovem francês tinha unidade motriz Mercedes e Alonso, Honda. Ocon ficou com o ponto.

Dá para afirmar que o modelo SF70H da Ferrari é mais veloz que o W08 Hybrid?

Dá para afirmar que em condição de corrida, em Melbourne, o carro italiano foi mais rápido que o alemão, enquanto na de classificação o W08 Hybrid demonstrou ser mais eficiente. É possível atestar, ainda, que o acerto do monoposto de Vettel associado ao seu estilo de pilotagem permitiu explorar melhor os pneus neste domingo, em especial os ultramacios.

Kimi Raikkonen, quarto colocado com a outra Ferrari, enfrentou dificuldades semelhantes às de Hamilton e seu companheiro de Mercedes, Valtteri Bottas, terceiro, com os ultramacios, o que explica sua ausência na luta pelo pódio. “Depois da minha parada, com os macios novos, meu carro melhorou muito”, disse o finlandês.

O que assistimos no fim de semana no Circuito Albert Park não é conclusivo. Podemos chegar em Xangai, na China, em 15 dias, e tanto a Mercedes tem condições de se impor sobre a Ferrari como os italianos repetirem o feito deste domingo. Historicamente o andamento da prova na Austrália não costuma ser referência definitiva para as próximas etapas do campeonato, apenas indicações do que pode estar por vir. O que dá para garantir é o que os projetistas vêm dizendo: “O trabalho de desenvolvimento dos carros determinará o campeão. Com o novo regulamento a margem é bem grande".

Podemos imaginar, então, que o campeonato não será como os três últimos, em que sabíamos de antemão qual a equipe dos pilotos que lutariam pela pole position e a vitória?

Muito provavelmente, sim. As indicações de Melbourne apontam para um ano sem dominação da Mercedes. E também não dá para imaginar que a partir de agora a Ferrari assumirá o papel da Mercedes.

Vettel mostrou que a Mercedes não terá vida fácil na temporada (Foto: REUTERS/Jason Reed)

Vimos, sim, neste domingo, tanto o sócio e diretor da escuderia Mercedes, Toto Wolff, socar duas vezes a mesa, ao ver que Vettel ultrapassou Hamilton no seu pit stop, quanto Hamilton respondendo, irritado, a seu engenheiro sobre suas dificuldades de ultrapassar Max. A organização alemã experimenta, pela primeira vez na era da tecnologia híbrida, implantada em 2014, pressão dos adversários.

Em 2015 a Ferrari foi superior a Mercedes no GP de Cingapura, mas estamos falando de eventos isolados, sem comprometimento da conquista do título por parte de Hamilton ou Rosberg. Agora parece ser diferente. O que a Ferrari fez na pré-temporada e na etapa de abertura do mundial sugere existir concorrência para o sucesso ao longo do ano. Algo saudável e inesperado para a F1, diante da transformação no departamento técnico da Ferrari há apenas oito meses.

De novo: o GP da China, dia 9, e o de Bahrein, 16, fornecerão mais elementos para entender se será mesmo assim como Melbourne está propondo. Será interessante verificar como a Mercedes reagirá numa condição nova para seus pilotos, engenheiros e dirigentes. Isso quer dizer que novas perguntas foram lançadas no fim de semana para serem respondidas a seguir.

Valtteri Bottas não tem nada a ver com Nico Rosberg, o piloto que lutou quase de igual para igual com Hamilton, ou é possível esperar dele uma evolução a ponto de fazer também resistência às conquistas de Hamilton?

Em primeiro lugar, ao que tudo indica, o desafio de Bottas parece que será um pouco menor que o de Rosberg nessa batalha particular, pois Hamilton pode vir a ter mais adversários, os pilotos da Ferrari. Uma vez confirmada a impressão da Austrália, Bottas pode capitalizar com isso.

Para um primeiro GP numa equipe campeã e tendo como companheiro um superpiloto como Hamilton, o finlandês atendeu às expectativas da Mercedes e dos fãs, considerando-se que demonstrou até agora ser um piloto com potencial para crescer, ganhar corridas, mas sem dotes geniais. Bottas é inteligente, trabalha muito bem sua evolução, ouve quem pode ser útil e dificilmente erra.

O quanto Bottas vai se aproximar de Hamilton é outra das questões que precisarão de um tempo para serem respondidas. Neste domingo ele foi terceiro a 11s250 de Vettel e a 1s275 de Hamilton, mas este deixou de exigir tudo do W08 Hybrid nas voltas finais, até porque, também, seus pneus médios já acusavam desgaste.

O que dizer da RBR, os austríacos campeões do mundo de 2010 a 2013? Iniciam o ano atrás de Ferrari e Mercedes?

Não há como negar, sim. Os problemas da RBR não se limitam à menor potência disponibilizada pela unidade motriz Renault em comparação à da Mercedes e Ferrari. O chassi do modelo RB13-Tag Heuer (Renault) de Max e Daniel Ricciardo tem responsabilidade na diferença importante de desempenho para o SF70H italiano e o W08 Hybrid alemão. Max, quinto, ficou a preocupantes 28s827 de Vettel, é muita coisa.

Apesar de Adrian Newey, coordenador do projeto da RBR, negar, fica difícil acreditar que a restrição, este ano, ao uso da suspensão dianteira hidráulica, ao menos de acordo com o conceito empregado no modelo do ano passado, não interveio na eficiência geral do carro, não o tornou menos equilibrado, pela menor capacidade de geração de pressão aerodinâmica. Pode ser uma das razões.

Mesmo assim, o RB13 demonstrou potencial de crescimento, assim como a unidade motriz Renault, mas será surpreendente se em duas ou três etapas, apenas, Max e Ricciardo se inserirem na luta com Hamilton, Vettel, Bottas e Raikkonen. Há problemas, ainda, de confiabilidade no projeto da RBR-Renault.

O que emergiu de mais importante dessa nova F1 depois do primeiro GP?

Obviamente a mudança radical do regulamento e a liberdade de trabalhar as unidades motrizes, sem restrições, geraram significativa revisão no que vínhamos assistindo. Algumas para o bem, outras inquietantes e sem solução a curto prazo, para a tristeza dos fãs.

Sem essa revisão conceitual das regras, é bem pouco provável que o grupo de engenheiros liderado pelo inglês James Allison tivesse produzido um carro tão eficiente como o SF70H da Ferrari. Curiosamente todos foram mandados embora pelo presidente da empresa e da Fiat, Sérgio Marchionne, em julho. Allison está na Mercedes e seu especialista em aerodinâmica, Dirk de Beer, na Williams.

Esse é o lado bom do novo regulamento, deveremos ter competição. Outro campeonato com um monólogo da Mercedes teria sido ainda mais nocivo para a F1.

Williams, de Massa, é a quarta força (Foto: REUTERS/Jason Reed)

O lado ruim: vocês viram a diferença dos três primeiros times, Ferrari, Mercedes e RBR, para os demais? Felipe Massa, da Williams, neste momento a quarta força destacada da F1, foi o primeiro colocado fora dos grandes. Terminou o GP da Austrália em respeitável sexto lugar, o máximo possível para a realidade da Williams em relação a Ferrari, Mercedes de RBR. Mas a preocupantes 1min23s386, praticamente uma volta, de Vettel. E daí para trás todos tomaram uma volta dos três primeiros.

O resultado confirma a história da F1. Nos anos de alteração radical do regulamento, como agora, a diferença de performance entre as equipes mais bem estruturadas e de maiores recursos financeiros aumenta e muito para as de menor possibilidade de investimentos.

Massa largou com ultramacios e os manteve até a 20ª volta. Na parada os substituiu por supermacios novos e completou 37 voltas com eles, num ritmo bom para a realidade do modelo FW40-Mercedes da Williams. Se for considerado que 1min23s, o quanto Massa recebeu a bandeirada depois de Vettel, representam 83 segundos (60+23) e a corrida teve 57 voltas, o piloto foi, na média, um segundo e quatro décimos mais lento por volta. Isso porque a Williams é a quarta melhor, hoje, das dez que disputam o mundial. Diferença enorme.

O novo regulamento criou um abismo entre as três mais capazes e as demais. Dada a quantidade de dinheiro necessária para reduzir a diferença, não será de uma prova para a outra que esse cenário devastador para os interesses da F1 vai ser alterado.

Tenha a certeza de que os novos donos dos direitos comerciais da F1, o grupo norte-americano Liberty Media, deve estar, com o seu pragmatismo, analisando os dados coletados no GP da Austrália, a fim de orientar seu planejamento para o evento nos próximos anos, sendo que algumas medidas cuja aprovação não esteja prevista no Acordo da Concórdia talvez sejam implantadas já nesta temporada.

O Acordo da Concórdia é o contrato que estabelece os direitos e as obrigações das equipes, da Formula One Management (FOM) e da FIA com os detentores dos direitos comerciais. A atual versão termina no fim de 2020.

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